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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Graça

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Meus olhos se desviaram nervosamente para o moço. Senti as nervosas pulsações do coração até as pontas dos dedos, e nas minhas “polpas carnudas”, há ali, também minúsculos corações, pulsando, latejando. Penso o que será que ele pensa, com olhos de quem desenha. Ele vê as sardas dos meus ombros e com movimento rápido sei que me desenha. Ele desenha uma série de “mim” e sempre me pede que eu escolha “uma”. Desajeitada, ajoelho-me e como despedida, beijo-lhe o topo da cabeça, gratidão, beijo-lhe o rosto, numa espécie de transe diante de seus olhos não-fixados. Uma escolha, é uma despedida, suspiro esta frase lerdaça que fica chapada na minha boca avulsa por seus beijos. “Fique com o que mais lhe agradar”, me diz...E perfeitamente reconheço-me...Entre meia dúzia de rápidos esboços, margeada dos meus traços oferecidos a ELE. Escolhi o desenho em que aparecia com um barquinho no colo, uma mulher de quarenta e tantos anos, os cabelos lisos e presos na nuca, sentada, muito tesa, sobrancelhas e olhos escuros e lábios nada pequenos...o meu vestido apenas sugerido por alguns traços irregulares. Traços de quem estende a alegria com cuidados. O desenho é um quadrado virado prá mim, entro nele e fico olhando o mundo de lá prá cá, um pé tenta alcançar o mar e me dá ânsia nos dedos empurrar o barquinho do meu colo prá ondas antigas. Sorrio pro marejado de tempo e vento, areia deserta, macetada e engolida em farpas de pés que hipnotizam . Num desenho, a menina dos olhos do moço nadava nas areias, e sob cascatas e beijos demônias, bruxas e fadas, ninfas e anjos,lhe tiravam do relento sobre a praia, cama turca onde os som das águas lembrava as gueixas chupando chá em tigelinhas. Estas coisas invertidas é que vazam dos meus pensamentos. Ergo, agora, meu olhar lento e saio com pressa, sempre com pressa na urgência de pegar a folha desenhada que o mar leva pro fundo. É absurdo que exista, que “ainda exista” chão, na água feita de sal, sei que o resto é confusão minha. Certifiquei-me que ainda balanço inteira desde quando me ensinaste a atravessar as ondas. Agora o tempo é que puxa, meus pés empoçam uma pasta de água e areia, formando uma sapatilha onde danço. Desenliçada penso que minha voz te alcança...”Assim, faz assim com o barquinho que ele vai!” Ensino o deslizar com minhas mãos e gestos. A folha se foi. Num instante dúbio, ainda me faço de estaca diante de um imenso lugar de correr . Percebo, minha corda velha demais, desgastada e com nós desregulados. Rio desencontrada e no triangulo do peito esqueço minhas mãos. Diligente e camaleônica te falo com voz mansa chupando uma brisa insistente no canto da boca:”Deixe-se ser amado”, “Não naufrague o barco”.